Foto preto e branca de uma menina se cumprimentando com seu vestido.

Na semana do dia nacional de combate ao abuso de crianças e adolescentes (18/05), o Prioridade Absoluta realizou a segunda edição do Expresso 227 para falar sobre casamento infantil no Brasil. Exibida no canal do Instituto Alana no Youtube, essa série de debates ao vivo tem o objetivo de dar visibilidade às discussões relacionadas aos direitos da criança, por meio da participação de convidados especialistas nos temas.

Mediada por Thaís Dantas, advogada do Prioridade Absoluta, a conversa, que foi ao ar no dia 15 de maio, contou com a participação de Viviana Santiago, da Plan International Brasil; Norma Sá, do Instituto Promundo-Brasil; além de Nana Queiroz, da revista Az Mina.

Iniciando a conversa, Thaís observou que a naturalização dessa violência na sociedade é refletida em uma legislação pouco protetiva e na ausência de políticas públicas específicas. O Brasil é o 4º país do mundo com o maior índice de casamentos infantis, onde, por exemplo, 36% das mulheres com 20 a 24 anos se casou antes dos 18 anos, como mostra o relatório “Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência”, do Banco Mundial. Porém pouco se debate sobre o tema.

“Não é possível que milhões de meninas casadas sejam invisíveis”, declarou Viviana Santiago. “Enquanto conjunto de sociedade profundamente orientada por esse discurso moral de aprisionamento dos corpos, a gente acha que homem e casamento são uma solução”, constatou a gerente técnica de gênero e de incidência política da Plan International Brasil. “Então, não é que as pessoas não veem o casamento infantil, é que elas não o veem como um problema”, complementou.

Viviana também citou a dimensão das consequências dessa relação na vida das meninas: elas deixam a escola mais cedo, têm menos chances de receber cuidados médicos durante a gravidez precoce e maior possibilidade exposição a abusos e violência doméstica e sexual conjugal.

Dentre as motivações para as uniões infantis, Norma Sá – coordenadora de projetos no Promundo, – citou fatores como a religiosidade e a moral – no caso de gravidez; as oportunidades vislumbradas com o casamento; a situação financeira; o controle da liberdade sexual e, por parte dos homens, o interesse em ter uma mulher mais jovem, pela facilidade de manipulação.

Citando a pesquisa “Ela vai no meu barco – Casamento na infância e adolescência no Brasil”, ela disse que o perfil identificado é de “uma diferença de idade de nove anos entre esse homem mais velho e a menina”. Porém, há casos de “mais de 20 anos de diferença deste casal, que é uma coisa bastante séria para a gente pensar nessa relação”. “Em outros países a gente usa o termo ‘uniões forçadas’, porque não é um casamento, não deveria ser numa idade tão precoce”, disse.

“Quando estamos discutindo o casamento infantil é inevitável que a gente conjugue os verbos e substantivos no feminino e muita gente não se dá conta que isso é uma questão de machismo, é uma questão cultural”, pontuou a jornalista e escritora Nana Queiroz:

Ela evidenciou que as meninas são incentivadas a ter uma visão excessivamente religiosa do casamento desde a infância. “A gente está vendendo para as nossas meninas, por meio das histórias que a gente conta para elas dormirem, das novelas que a gente põe elas para assistir desde tão cedo e dos heróis e heroínas que a gente permite que elas tenham”, disse. “O final feliz é sempre o casamento. Se o final feliz é sempre o casamento porque eu vou negar o final feliz a alguém aos 12 anos?”, questionou.

Nana mencionou que as uniões infantis no Brasil têm aparência consensual por ser algo naturalizado desde o berço. “Começa com a Cinderela que ao invés de arrumar um emprego arrumou um príncipe para fugir da madrasta”, citou. “E a Branca de Neve que fugiu do palácio e precisou ser protegida por sete homens, mas que só pôde ver a realidade completa quando foi e se casou com ela”.

Ela também citou a erotização precoce sendo naturalizada nas músicas quando essas crianças são tratadas como “as novinhas”: “A ‘novinha’ nada mais é do que a desumanização da criança. Você tira da criança o caráter de ser humano e dá para ela um caráter de objeto sexual”. “É preciso que a gente veja o amor sob a lente dos direitos humanos, sob a lente dos direitos das mulheres. Porque existe e é possível”, finalizou.

 

O Expresso 227 acontece uma vez por mês, sempre com temas diversos sob o recorte da infância. Você pode acompanhar todas as edições no Youtube do Alana.

Foto: Enis Yavuz / Unsplash