No final da década de 1980, com a convocação da Assembleia Constituinte e o processo de redemocratização do Brasil, houve um forte apelo a uma maior participação da população para a construção das bases da nova Constituição que regeria o país. Nesse processo também foi estabelecido um novo olhar sobre os direitos de crianças e adolescentes, a partir da doutrina da proteção integral; da responsabilidade compartilhada entre família, Estado e sociedade de garantir os direitos dessa população; e do reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direito.
Neste contexto, diversas leis que instituem políticas direcionadas à infância foram criadas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069. No artigo 88, o ECA estabelece a criação de conselhos de direitos da criança e do adolescente, nos âmbitos municipal, estadual e nacional, responsáveis por criar diretrizes para políticas públicas para essa população, assegurando também a participação popular por meio de organizações da sociedade civil.
“A criação dos Conselhos acontece num contexto de mudança radical no modo como Estado, sociedade e família reconhecem, olham e tratam suas crianças e adolescentes”, explica Irandi Pereira, doutora em educação e conselheira no primeiro mandato do Conanda (1992-1994). “Era necessário uma gestão para a política da proteção integral diferente das que tínhamos até 1988, uma gestão compartilhada. Só desse modo você pode fazer com que crianças e adolescentes tenham, de fato, suas garantias, direitos humanos e sociais postos na lei e efetivados”, complementa.
Assim, em 12 de outubro de 1991, a Lei nº 8.242 implementou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), principal órgão do sistema de garantia de direitos que, por meio de gestão compartilhada entre governo e sociedade, tem o objetivo de coordenar as ações de promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes.
Atribuições e Funcionamento
O Conanda, vinculado à Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, realiza assembleias presenciais mensais e tem quatro Comissões Temáticas: Políticas Públicas, Orçamento e Finanças, Formação e Mobilização e Direitos Humanos e Assuntos Parlamentares.
Dentre as principais atribuições do Conselho estão a definição de políticas para a área da infância e adolescência e de normas gerais e fiscalização de tais ações; a promoção da manutenção de bancos de dados com informações sobre crianças e adolescentes; o acompanhamento da elaboração e execução do Orçamento da União, garantindo a destinação privilegiada de recursos para políticas direcionadas a essa população; além da gestão do Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA).
Os recursos do FNCA são aplicados especialmente no apoio ao desenvolvimento das ações priorizadas pela Política Nacional de Atendimento aos Direitos da Criança e do Adolescente; desenvolvimento e implementação de sistemas de controle e avaliação de políticas públicas, programas governamentais e não-governamentais de caráter nacional voltados para crianças e adolescentes; e programas e projetos de pesquisas, de estudos e de capacitação necessários à execução das ações de promoção, defesa e atendimento a crianças e adolescentes.
O Conanda dá visibilidade às suas decisões por meio de resoluções – normas elaboradas de forma coletiva durante as assembleias e divulgadas no Diário Oficial da União. Diferente dos órgãos consultivos, as resoluções do Conanda não têm força de recomendação, mas normativa, o que significa que devem ser cumpridas integralmente, considerando a natureza deliberativa do Conselho.
Outra diferença é que os membros do Conanda não são nomeados, o processo de escolha das organizações da sociedade civil para compor o órgão acontece por meio de eleições. Podem participar organizações de âmbito nacional e que comprovem o desenvolvimento de ações em pelo menos um dos eixos de promoção, proteção, defesa e controle social dos direitos da criança e do adolescente há, no mínimo, dois anos, e em pelo menos cinco estados, distribuídos em duas regiões do país.
Desde 2020, o órgão conta com 18 conselheiros titulares e 18 suplentes que, de forma paritária, representam o Poder Executivo e a sociedade civil. Os 18 representantes do Estado, titulares e suplentes, são indicados por ministros do executivo e os 18 representantes da sociedade civil são eleitos, a cada dois anos, em assembleia, por um conjunto de entidades não-governamentais que atendam aos critérios estabelecidos (atuação nacional voltada para garantia dos direitos de crianças e adolescentes há, no mínimo, dois anos).
Atuação
Logo nos primeiros anos, o Conanda atuou em casos emblemáticos de violação dos direitos de crianças e adolescentes, como a Chacina da Candelária. No dia 23 de julho de 1993, oito meninos em situação de rua que dormiam em frente à Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, foram mortos a tiros. O Conselho enviou ao Ministério Público Federal pedido de abertura de Inquérito Civil Público para apurar a responsabilidade do governo e da prefeitura do Rio de Janeiro e também pressionou o Estado pela falta de uma política unificada de assistência para crianças e adolescentes em situação de rua.
Contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, em 2000, o Conselho aprovou o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil que teve importante papel para a estruturação de políticas públicas, programas e serviços nessa área.
O Conanda participou da elaboração do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente, aprovado em 2004, com o objetivo de coordenar diversas intervenções direcionadas a assegurar a eliminação do trabalho infantil. O Conselho também aprovou as “Diretrizes para a Formulação de uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil”, elaboradas pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), com a finalidade de servir como base para a construção de políticas públicas de combate ao trabalho infantil no Brasil.
Em 2006, por meio da Resolução 119, o órgão aprovou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), política pública que, dentre outras coisas, regulamenta a execução das medidas socioeducativas. Em 2012, a Lei 12.594 chancelou a instituição do Sinase, que representa um importante avanço no atendimento de adolescentes em conflito com a lei.
O Conselho formulou, em 2014, a Resolução 163, que reforça o caráter ilegal da publicidade direcionada ao público infantil, define critérios para a identificação destas estratégias de comunicação mercadológica e dispõe a respeito da publicidade desenvolvida no ambiente escolar, ressaltando que é “abusiva a publicidade e comunicação mercadológica no interior de creches e das instituições escolares da educação infantil e fundamental”.
Em 2017, por meio de resolução normativa elaborada de forma conjunta com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e a Defensoria Pública da União (DPU), o Conanda estabeleceu procedimentos de identificação preliminar, atenção e proteção para crianças e adolescentes migrantes desacompanhados ou separados da família.
A Resolução 215, de 2018, estabelece parâmetros e ações articuladas para a proteção integral de crianças e adolescentes no contexto de obras e empreendimentos. Um grande empreendimento pode trazer uma série de impactos negativos para as populações do entorno, desde violências, perdas financeiras, até o aumento da incidência de abusos e estupros, entre outros. E crianças e adolescentes são os principais impactados em razão de sua maior vulnerabilidade.
“O trabalho do Conanda é fundamental para garantir, por meio do orçamento, de políticas e de serviços públicos, a defesa do melhor interesse de crianças e adolescentes frente aos abusos e violações de seus direitos”, afirma Thaís Dantas, advogada do Prioridade Absoluta.
Decreto presidencial
Em setembro de 2019, houve uma tentativa do governo federal de alterar o funcionamento e a estrutura do Conanda, por meio do decreto presidencial 10.003/2019. A discussão foi para o Supremo Tribunal Federal (STF) e, em fevereiro de 2021, o Tribunal declarou inconstitucional trechos do decreto. Foram mantidas três mudanças: a redução do número de conselheiros titulares, que até então eram 28, para 18; a impossibilidade de reeleição dos conselheiros; e o voto de minerva do presidente do Conselho como forma de resolução de impasses. Entenda o caso aqui.