Os quase 60 milhões de crianças e adolescentes brasileiros não são o grupo mais afetado pela pandemia do COVID-19, mas são vetores da doença. Os avós, seguidos de pais e mães, são as principais vítimas. Decifra-me ou devoro-te. A resposta governamental ao vírus – que chegou a matar quase mil pessoas em um só dia – vai determinar o destino dos milhões de braços e colos que cuidam de nossas crianças.
A sociedade brasileira é profundamente desigual. E os impactos do coronavírus serão vivenciados, também, de maneira muito desigual e perversa, especialmente para aqueles em situação de vulnerabilidade econômica e social. Aproximadamente 150 milhões de brasileiros dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). A rede dispõe, no entanto, de apenas 44% dos leitos de UTI no país. A taxa de ocupação média dos leitos de UTI do SUS é de 95%.
Como é possível reforçar hábitos de higiene fundamentais contra a contaminação do COVID-19 quando 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada? Como não garantir proteção econômica a quase metade da população, que trabalha em situação de informalidade, às crianças que têm a merenda como única refeição diária? Como esperamos que as pessoas se alimentem, comprem medicamentos, estejam com a saúde fortalecida? Decisões políticas que optem pelo aprofundamento das desigualdades sociais, que reduzam o investimento e acesso à assistência médica gratuita e deixem trabalhadores desprotegidos, terão um efeito desastroso.
Estamos diante de um ponto de inflexão em nossa história. É o momento de se pensar em uma nova e compreensiva agenda de justiça econômica, social e racial; de deixar para trás as bases violentas que até aqui traçaram nossos rumos predatórios, para com as pessoas e com a natureza.
É hora de aprovar a renda básica emergencial para os 77 milhões de brasileiros que precisam, de revogar a Emenda Constitucional do Teto de Gastos de Públicos e investir pesadamente no SUS, de garantir isenção em contas de água, gás e eletricidade para as famílias em situação de risco e vulnerabilidade social em todo o território nacional; dar condições de acesso à água potável a todos; fortalecer núcleos familiares com segurança trabalhista; incluir crianças e adolescentes em situação de rua, em atendimento socioeducativo e em acolhimento institucional no grupo de risco em razão de extrema vulnerabilidade, garantindo ações de proteção e segurança para cada grupo conforme especificidades; entre outras medidas que fortaleçam a proteção social de todos.
O fim ainda está por ser escrito e a evidente resposta para o enigma que o COVID-19 nos coloca é a construção de um tecido social forte, fincado na justiça e no bem viver. Para todas as pessoas. O bem-estar social é a nossa escolha política inevitável. Essas são as únicas ideias possíveis à disposição para uma decisão que coloque a vida de adultos e crianças em primeiro lugar.