Foto de Viviana Santiago Professora com megafone
Viviana Santiago | Arquivo Pessoal

Viviana Santiago cresceu em uma família apaixonada por crianças e adolescentes e sempre pensando em como podiam fazer algo quando viam direitos sendo violados. “Apesar de serem pessoas muito pobres, minha família tinha a capacidade de se preocupar quando sabiam que tinha uma criança ou adolescente sendo maltratado, passando fome ou em alguma situação de risco”, conta. 

A casa de sua avó materna sempre abrigou de braços abertos mulheres que estavam passando por alguma situação de violência e suas filhas e filhos. O avô também fazia balanços nas árvores do quintal para que as crianças de uma escola pública precária no final da rua pudessem ter um pouco de lazer. “Depois da escola, muitas crianças iam lá pra se balançar. Às vezes não tinha ninguém no terraço, mas o meu avô sempre deixava o portão aberto para que as crianças soubessem que aquele espaço era para elas”, recorda.

Defender os direitos de crianças e adolescentes é, portanto, uma lição que aprendeu desde muito cedo, seja contra violências praticadas por adultos ou pelo Estado. Viviana se formou em pedagogia e, no começo, trabalhou com projetos socioassistenciais. Coordenou escolas e, depois, ingressou no terceiro setor, em uma organização que trabalhava com acolhimento institucional de crianças e adolescentes. 

Foi aprendendo mais sobre políticas públicas, sobre as ferramentas legais para garantir direitos, e se instrumentalizando a partir da realidade das crianças que atendia. “A partir daí o meu fazer na defesa de crianças e adolescentes ganha esse aspecto de mobilizar o Estado, a política pública e a sociedade a partir de campanhas”, explica. 

Hoje, além de professora, é ativista pelos direitos humanos e gerente de gênero e incidência política na Plan International Brasil. É, também, uma das pessoas que, 30 anos após a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), luta ativamente pela efetivação dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil.

Para ela, uma das principais conquistas do ECA é a percepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, porém, um dos grandes desafios é o reconhecimento da infância e da adolescência de todas as crianças, principalmente das crianças negras, das meninas e das crianças indígenas. 

“Há a ideia de que algumas crianças não são crianças e que alguns adolescentes não são adolescentes. Isso alimenta a perspectiva da redução da maioridade penal, que quer encarcerar meninos negros e pobres”, explica Viviana.

Viviana trabalhou muitos anos na promoção e defesa do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária. E conta que o direito à convivência comunitária é muito negado, principalmente à meninos pobres, negros e periféricos, de áreas vulneráveis. “Cinco meninos negros em pé em uma praça conversando sofrem abordagem da polícia. Porque eles não podem ocupar o espaço público?”, pontua.

Por isso, acredita que para defender integralmente os direitos de crianças e adolescentes é preciso pensar interseccionalmente, reconhecendo as particularidades de cada infância e considerando o racismo e a violência de gênero.

Para Iolete Ribeiro, diretora da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Amazonas e atual presidente do Conselho Nacional dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Conanda), para pensar interseccionalidade dentro da infância e adolescência também é necessário que mulheres e mulheres negras ocupem espaços de gestão. 

“É, primeiro, em razão da representatividade. Se estamos na sociedade, também temos de ocupar esses espaços”, pontua. E também, pela sensibilidade em relação a temas que dizem respeito a essa interseccionalidade de gênero e raça que muitas vezes fica invisibilizada quando não se tem um olhar de atenção específico. 

“Por exemplo, no país é difícil ser mulher, ser menina, é difícil ser mulher negra: são condições que nos expõem mais à violência, à opressão, à processos de exclusão. As políticas públicas precisam se dar conta disso, precisam de mecanismos que façam esses enfrentamentos e promovam a garantia de direitos das mulheres, das mulheres negras, das adolescentes negras”, explica.

A trajetória de Iolete na defesa dos direitos de crianças e adolescentes começou em 1992, pouco tempo depois da aprovação do ECA, quando ainda morava no interior do Tocantins, em Porto Nacional. “Nós realizamos uma mobilização para a criação do primeiro Conselho Municipal de Direitos da Crianças e do Adolescente (CMDCA) da cidade e eu fui a primeira presidenta”, conta. 

Desde então, continuou a militância na área da infância e adolescência, tanto participando de movimentos sociais, quanto na atuação profissional como psicóloga, pesquisadora e professora universitária. Participou do secretariado nacional do Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Comitê Nacional de Enfrentamento à  Violência Sexual, da Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual. “Sempre estive nesses espaços entendendo que a visão da psicologia pode contribuir para compreender melhor a infância e a adolescência e os caminhos para a concretização dos direitos dessa população”, pontua.

Para ela, uma das principais conquistas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o estabelecimento da responsabilidade compartilhada no cuidado com crianças e adolescentes e a criação do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA), que é formado pela integração e a articulação entre o Estado, as famílias e a sociedade civil, para garantir e operacionalizar os direitos das crianças e adolescentes no Brasil.

  Um dos principais atores do sistema de garantia de direitos é o Conselho Tutelar, órgão público municipal que representa a sociedade na missão de proteger e defender crianças e adolescentes que tiveram direitos violados ou que estão em situação de risco. E a trajetória de Marcelo Nascimento na defesa dos direitos dessa população começou em 2004, em seu primeiro mandato como Conselheiro Tutelar, em Guaianases, na zona leste da capital paulista.

Foto de Iolete Ribeiro
Iolete Ribeiro | Arquivo Pessoal
Foto de Marcelo Nascimento
Marcelo Nascimento | Arquivo Pessoal

Também foi presidente da Associação Paulistana de Conselheiros e Ex-conselheiros Tutelares, secretário do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo (CMDCA-SP) e coordenador-geral da Política de Fortalecimento de Conselhos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Para ele, chegamos aos 30 anos do ECA com muitas coisas a celebrar. Mas ainda temos falhado, considerando a quantidade de crianças e adolescentes fora da escola, sem água e acesso à saneamento básico e vítimas do trabalho infantil, do abuso e da exploração sexual. “Enquanto tivermos uma criança vítima de violência, nós não temos prioridade absoluta”, diz.

“A criança não é o futuro, é o presente. É hoje que ela tem fome, que tem necessidades. E suprir essas necessidades não é um favor, é algo a que ela tem direito. Direito este conquistado à base de muito diálogo e resistência da sociedade civil", conclui Marcelo.

Para Viviana Santiago, lutar pelos direitos de crianças e adolescentes 30 anos depois da aprovação do ECA significa lutar contra o genocídio da população negra. “Também significa que a gente reconhece a potência das crianças e adolescentes e o dever da sociedade respeitá-las na sua potência. Na sua capacidade de ver o mundo que nenhum adulto vê. Então, a gente luta para que essas crianças e adolescentes possam viver, se perceber enquanto sujeitos de direito e que sejam percebidas como tal”.

Para Iolete, significa continuar reafirmando que a sociedade precisa ter um olhar para a criança e adolescentes no sentido do reconhecimento da titularidade dos direitos, porque ainda somos uma sociedade adultocêntrica e precisamos ouvir mais crianças e adolescentes. “Há uma necessidade de bater muito nessa tecla: esse reconhecimento precisa se traduzir em mais espaço à participação nas escolas, nos serviços de saúde que atendem a essa população e nos próprios espaços de controle social. Então, apesar de observar evoluções, a gente ainda está no meio do caminho”.

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