Os pais de Markinhus migraram para São Paulo no começo dos anos 1970 em busca de emprego. “Era um trabalho precarizado. Foi uma década difícil, mas que ainda tinha emprego”, explica. Após sua família ser vítima da violência urbana e, seu pai, assassinado, a trajetória do menino passou então pelo trabalho infantil, inclusive no lixão; e por passagens pela antiga FEBEM (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) — hoje chamada de Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente).
Markinhus tinha onze anos quando foi encontrado pelo Projeto Meninos e Meninas de Rua (PMMR) nas ruas do ABC paulista. Criado em 1983, o PMMR é um dos grupos que ajudou a fundar, em 1985, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), organização nacional que unia crianças e adolescentes, educadores e ativistas em defesa dos direitos dos meninos e meninas em situação de rua. “Eu tive a honra de estar nesse momento histórico da fundação do Movimento e ser da primeira geração de atendidos e acompanhados pelo Projeto”, recorda.
Hoje, educador e cientista social, Makinhus explica que a luta em defesa de crianças e adolescentes está muito ligada à luta pela democracia. A ONU (Organização das Nações Unidas) declarou 1979 como o Ano Internacional da Criança, mobilizando a sociedade internacional em prol de uma agenda para a infância. No Brasil, aconteceu, então, uma efervescência dos movimento sociais, que ganham as ruas e desafiam a ditadura militar (1964-1985). O movimento da infância ganha uma expressão a partir da metade dos anos 1980, mas é impulsionado por esse momento.
Quando acontece a abertura política, o movimento em defesa da infância acha importante mudar as leis. “A ditadura legalizou as ações antidemocráticas que ela fazia. Com a nova Constituição, era necessário colocar esse sentimento que estava efervescendo das ruas, para, de fato, garantir tudo o que historicamente foi negado ao povo brasileiro”, explica Markinhus. A partir de 1985, se inicia um movimento para a construção de uma nova Constituição e, no ano seguinte, são eleitos deputados constituintes — escolhidos com a finalidade exclusiva de elaborar a nova Constituição.
Em 1986, acontece o Primeiro Encontro dos Meninos e Meninas de Rua, em Brasília. O MNMMR, nesse processo de mobilização pela Constituição, começa a ouvir os meninos e meninas para entender os pontos que achavam imprescindíveis serem garantidos na lei magna brasileira. Markinhus foi ao encontro com mais dez crianças do ABC, e conta que discutiram temas como educação, família, saúde e trabalho. “Mas o tema principal, que ganha destaque em todos os grupos de debate, é a violência contra as crianças. Em seguida, o movimento da infância sai com o tema do extermínio de crianças no Brasil, especialmente dos meninos de rua, que hoje chamamos de genocídio”.
Em 1989, no ano seguinte da promulgação da Constituição, é iniciada a discussão da regulamentação dos artigos que garantem a defesa da infância e adolescência (artigo 227 e artigo 228), para a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Crianças e adolescentes também participam desse processo e acontece o Segundo Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua. “Levamos para o encontro dois temas: a aprovação do ECA e mais uma denúncia contra o extermínio de meninas e meninos no Brasil”.