A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. Um jovem negro foi espancado no supermercado. Uma criança negra morta dentro de casa a tiros. Uma criança negra morta na casa da patroa. Todos os dias são veiculadas notícias sobre aquilo que muitos de nós bem sabemos: o direito à vida, no Brasil, está mais para uns que para outros.
Muitos são os instrumentos legais que estabelecem igualdade de direitos e oportunidades para cidadãos e cidadãs – também chamados sujeitos de direitos. Acontece que as bases exploratórias que formaram a sociedade brasileira não permitem que todos os corpos sejam destinatários da cidadania. O que mata crianças, jovens, homens e mulheres negras no Brasil tem nome: racismo estrutural.
Miguel teve que acompanhar sua mãe que, em plena pandemia, foi obrigada, em nome da sobrevivência, a se colocar em risco para realizar serviços domésticos. Qual a lógica que está por trás da determinação do serviço doméstico como essencial, como estabeleceram alguns estados, fazendo com que uma mãe não pudesse ficar com seu filho em isolamento? A resposta é uma: nosso sistema sempre se beneficiou da exploração e, para isso, conservou os mecanismos de subjugação, exclusão e genocídio da população negra e indígena – inclusive de crianças e adolescentes.
O vírus é democrático, disseram. Os corpos, contudo, não são destinatários de direitos de maneira igualitária. Os corpos não estão sujeitos às mesmas pressões e violências. Os corpos não trazem em si a mesma carga histórica e social. Nossa história e sistema são fincados na dominação, na desigualdade – dimensão que afetas as crianças desde o nascimento.
E é por essa razão que a implosão da lógica sobre a qual se construiu nossa sociedade é a única saída possível. Só teremos uma sociedade que aplique a prioridade absoluta para crianças e adolescentes, o direito à uma vida livre e justa para todas as pessoas quando abandonarmos por completo as bases violentas – e mortais – que nos trouxeram até aqui e construirmos um novo caminho; um caminho que garanta um Estado de bem estar social para todos e o fim real de todas as desigualdades – econômicas, sociais e raciais – desde a infância.