Por Thaís Dantas e Renata Assumpção*
Uma foto que mostrava uma camiseta com o logotipo da antiga Febem sendo vendida em uma loja de grife em São Paulo foi motivo de comoção nas redes sociais nos últimos dias. O fato de que alguém possa, ao pagar 96 reais, carregar em seu peito um dos mais tristes capítulos de nossa história mostra, claramente, de que maneira temos lidado com a adolescência brasileira: com negligência e violência.
A Febem foi responsável por episódios de violência massiva contra adolescentes, não são raros os relatos de maus tratos, tortura, mortes, rebeliões, repressão. É uma triste marca em nossa história que, embora tenha sido substituída pela Fundação Casa em 2006 [o que significa avanços na implementação do Sistema Socioeducativo (1) e no cuidado conferido a adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas (2)], segue acontecendo: a situação de adolescentes em conflito com a lei é ainda precária. Cotidianamente presenciamos a aplicação excessiva das medidas privativas de liberdade; a falta de programas para cumprimento das medidas em semiliberdade ou liberdade assistida, o déficit de vagas que gera superlotação; a falta de condições dos estabelecimentos — que mais parecem prisões ao invés de espaços socioeducativos; e o preocupante índice de tortura e mortes nas unidades de internação — em 2014, por exemplo, foram registradas 48.
A situação é tão grave que, em 2016, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Brasil garantisse a integridade de seus adolescentes, após denúncia de que adolescentes foram agredidos com cassetetes, cadeiras, cintos e cabos de vassoura e ficaram feridos em várias partes do corpo, em unidade da Fundação Casa.
A violência contra adolescentes, contudo, não se resume ao sistema socioeducativo, infelizmente. Em 2013, 10.520 crianças e adolescentes foram assassinados: uma média de 29 por dia. Meninos de 10 a 19 anos são as principais vítimas, tendo o Brasil a sétima maior taxa proporcional de homicídios nessa faixa etária.
É um completo descompasso: embora se preveja, na Constituição Federal, a absoluta prioridade de crianças e adolescentes em serviços, políticas e orçamento públicos, o país não toma as medidas necessárias para viabilizar tal garantia e as violações — tanto no âmbito protetivo como no socioeducativo — acontecem de maneira massiva e continuada. Celebrar isso em uma camiseta é legitimar e reproduzir tal violência.
— —
(1) O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) começou a ser formalizado em 2006, por meio de resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), e veio se consolidar com a Lei 12.594 de 2012 e o posterior Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, aprovado em 2013. Esta é uma política pública essencial para uma nação que se propõe a zelar por seus adolescentes. O Sinase tem como objetivos contribuir para a organização da rede de atendimento socioeducativo, assegurar conhecimento rigoroso sobre as ações do atendimento socioeducativo e seus resultados, promover a melhora da qualidade da gestão e do atendimento socioeducativo, e disponibilizar informações sobre o atendimento socioeducativo. Além disso, estabelece competências, planos e programas de atendimento socioeducativo, mecanismos de avaliação, monitoramento e gestão, possibilidade de responsabilização de gestores, operadores e entidades de atendimento, formas de financiamento, bem como disposições sobre a execução das medidas socioeducativas.
(2) Ato infracional corresponde a conduta descrita como crime ou contravenção penal e medidas socioeducativas são mecanismos de responsabilização e socioeducação e podem ser: (i) advertência; (ii) obrigação de reparar o dano; (iii) prestação de serviços à comunidade; (iv) liberdade assistida. É possível, também, a aplicação de medidas socioeducativas em meio fechado, quais sejam: (i) inserção em regime de semiliberdade; (ii) internação em estabelecimento educacional e (iii) internação provisória.
Thaís Dantas e Renata Assumpção fazem parte da equipe do programa Prioridade Absoluta, do Alana.