Continuar a criar, por meio de políticas públicas, uma realidade em que todas as crianças e adolescentes brasileiros estejam conectados à internet de forma adequada, significa também garantir que diversos direitos fundamentais possam ser exercidos plenamente
Por Pedro Mendes*
Aprender, brincar, se informar, conversar com familiares e amigos, se expressar e participar ativamente do debate público, com respeito e adequação à sua faixa etária, estão entre as diversas possibilidades oferecidas pelo acesso à internet para crianças e adolescentes.
No entanto, o que se verifica na realidade da infância e adolescência brasileiras é a chamada “brecha digital”, em que fatores socioeconômicos estabelecem desigualdades entre diferentes grupos sociais e determinam quais deles são incluídos adequadamente no mundo digital. Essas circunstâncias são um reflexo expressivo das desigualdades socioeconômicas e regionais presentes na sociedade brasileira e da ausência de políticas públicas voltadas para diminuição da exclusão digital.
Em 2018, quase 25% das crianças e adolescentes pertencentes às classes mais pobres não tinham acesso à internet no país. Apesar da diminuição dessa porcentagem ao longo dos anos, os dados mais recentes apontam que, em 2019, 11% da população entre 9 e 17 anos ainda não tinha acesso à rede, número ainda maior nas regiões Norte e Nordeste e entre crianças e adolescentes de famílias que apresentavam índices de pobreza mais elevados. Quando verificadas as formas de acesso para população geral, é possível identificar, também, a precariedade e o déficit qualitativo nos meios empregados para utilizar a internet: 57,5% dos domicílios realizavam o acesso apenas por meio de aparelhos celulares.
Essas desigualdades foram ainda mais evidenciadas durante o ano de 2020, quando, como medida para contenção da pandemia de coronavírus, diversas instituições de ensino, inclusive da rede pública, usaram métodos online para dar continuidade às aulas à distância. E, em decorrência da ausência de acesso adequado à internet e dos meios para utilizá-la, milhões de crianças e adolescentes foram privadas do acesso à educação e à informação.
Essa realidade vai na contramão de diretrizes estabelecidas por organismos internacionais e pela legislação nacional. Em âmbito internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já reconheceram o acesso à internet como direito humano e fundamental, determinando a necessidade de garantia universal. No Brasil, o Marco Civil da Internet prevê o acesso à rede para todos e o estabelece como essencial para o exercício da cidadania.
Esse reconhecimento é uma consequência do caráter instrumental deste direito, isto é, por meio dele outros direitos podem ser concretizados. Dessa forma, a internet se torna um espaço para o exercício dos direitos à liberdade de expressão, à informação, à educação, ao lazer e ao entretenimento, à participação política e democrática e à convivência familiar e comunitária.
A necessidade de efetivar esse direito para crianças e adolescentes é potencializada pelo artigo 227 da Constituição Federal. O dispositivo prevê como regra que os direitos fundamentais daquele grupo têm prioridade absoluta em sua concretização. Assim, políticas públicas que garantam o direito de acesso à internet precisam ser pauta prioritária do Estado para a infância e a adolescência no Brasil.
Diante da necessidade de políticas públicas que efetivem esse direito, recentemente o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei 172/2020, que altera a Lei do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), fazendo com que os recursos anteriormente destinados apenas ao setor de telefonia passem a ser aplicados também na ampliação do acesso aos serviços de telecomunicações e internet.
Continuar a criar, por meio de políticas públicas, uma realidade em que todas as crianças e adolescentes brasileiros estejam conectados à rede de forma adequada, significa também garantir que diversos direitos fundamentais possam ser exercidos plenamente. Acabar com a brecha digital não é uma mera formalidade, mas um dever estatal que deve ser cumprido com prioridade absoluta para que a exclusão digital fique no passado da infância e da adolescência brasileiras.
Pedro Mendes é estudante de direito e estagiário do programa Prioridade Absoluta*