Foto em preto e branco de mão segurando grades

 

 

Por Letícia Carvalho e  Mayara Silva de Souza*

 

Segundo dados do Levantamento Anual do Sistema Socioeducativo de 2017, 4% do total de adolescentes a quem se atribui a prática de atos infracionais são meninas. No sistema socioeducativo, as meninas são vulnerabilizadas mais frequentemente por conta de marcadores sociais da diferença, como as questões de gênero, classe e de raça e, também, em razão da  gestação, que exige um olhar cuidadoso e qualificado. 

Em setembro de 2020, em todo o país, havia 101 adolescentes gestantes, lactantes ou mães de crianças pequenas inseridas no sistema socioeducativo, de acordo com levantamento realizado a partir de informações obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo projeto Justiça Juvenil, do programa Prioridade Absoluta. Dentre essas, 11 gestantes, 12 lactantes e 78 mães. Das 101 adolescentes, 70 estavam cumprindo medida socioeducativa em privação de liberdade, 16 em semiliberdade e 15 em internação provisória. Esses números, somados à crise sanitária ocasionada pela covid-19, alertam para a urgência de garantir o direito de mães e crianças encarceradas. 

(Clique nos estados para ver o total de adolescentes grávidas, lactantes e mães no Sistema Socioeducativo. Para ver o total em internação provisória, internação ou semiliberdade, selecione a opção no quadradinho acima, à direita)

 

 

Com esse cenário, atesta-se o fato de que crianças e adolescentes não estão sendo colocadas em primeiro lugar, conforme determina a regra da prioridade absoluta determinada pelo Artigo 227 da Constituição Federal. De modo mais alarmante, depara-se com o não cumprimento da decisão do habeas corpus coletivo nº 143.641 que, desde 2018, determinou que adolescentes privadas de liberdade provisoriamente que sejam gestantes, lactantes ou mães de crianças e de pessoas com deficiência têm o direito de aguardar o julgamento dos seus processos em casa.

É fato que as unidades socioeducativas não foram pensadas para a gestação, para o exercício da maternidade e, muito menos, para o desenvolvimento pleno da infância. O ambiente socioeducativo não é capaz de acolher adolescentes e jovens tampouco a crianças, ao permitir a efetividade plena do seu direito à liberdade, à educação e, principalmente, à saúde, já que se trata de um ambiente precário no fornecimento de cuidado, o que se agrava com crise sanitária. Assim, bebês são submetidos constantemente, e por um período prolongado, a situações estressantes, culminando no estresse tóxico, que pode impactar a arquitetura cerebral da criança e aumentar o risco de doenças

Por isso, analisar e refletir sobre essa situação pressupõe uma olhar duplamente prioritário, uma vez que tanto a adolescente em privação de liberdade quanto seu filho ou filha, são protegidos pela absoluta prioridade. Ainda, neste contexto de pandemia, o direito à vida deve ser priorizado, assim, é fundamental que medidas urgentes sejam tomadas, como a suspensão ou a extinção das medidas socioeducativas, uma vez que essas adolescentes também pertencem ao grupo de risco. 

Não por acaso, tanto as pessoas mais afetadas pelo coronavírus quanto pela privação de liberdade têm cor e classe definidos: são adolescentes negras e de baixa renda, o que propõe a reflexão sobre como as violências estruturais, como o racismo e classismo, atingem esta parcela da população. A responsabilidade para assegurar que crianças e adolescentes sejam tratadas e respeitadas como sujeitos de direito deve ser compartilhada entre famílias, sociedade e Estado. Sendo assim, qual presente e futuro estamos preparando para essas adolescentes e essas crianças? É preciso lembrar constantemente que – parafraseando a poeta Mel Duarte – coração de mãe é grande, sim, mas não cabe nas grades e violações de uma unidade socioeducativa.  

 

 

*Letícia Carvalho é estudante de Direito e estagiária no projeto Justiça Juvenil do programa Prioridade Absoluta.

Mayara Silva de Souza é advogada e responsável pelo projeto Justiça Juvenil do programa Prioridade Absoluta.

 

 

 

 

Referências 

Instituto Alana & Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos. Pela liberdade: a história do habeas corpus coletivo para mães e crianças. Instituto Alana. 216 pp. Disponível em: <https://prioridadeabsoluta.org.br/wp-content/uploads/2019/05/pela_liberdade.pdf

 

Dar a luz na sombra : condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão / Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos. – Brasília : Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) ; Ipea, 2015. 89p. : il. color. – (Série pensando o direito, 51). Disponível em: <http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_51_Ana-Gabriela_web-1.pdf>  

 

LEAL, Maria do Carmo et al . Nascer na prisão: gestação e parto atrás das grades no Brasil. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 21, n. 7, p. 2061-2070,  jul.  2016 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232016000702061&lng=pt&nrm=iso>.

 

SIMAS, Luciana et al . A jurisprudência brasileira acerca da maternidade na prisão. Rev. direito GV,  São Paulo ,  v. 11, n. 2, p. 547-572,  Dec.  2015. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322015000200547&lng=en&nrm=iso>.   

Expresso 227. Pela Liberdade: crianças no cárcere. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=VIfFrW-Fui4&list=PLwtaWcfcrGsYL6bkA9lutRUKrBjCWTYw_&index=5&t=1931s>