Por Ana Claudia Cifali e Mayara Silva de Souza*
No Brasil, o trabalho infantil é constitucionalmente[1] proibido, e consiste em qualquer forma de trabalho realizado por pessoas com menos de 13 anos. Por sua vez, o artigo 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)[2] reforça a proibição constitucional e prevê as condições para que o trabalho, quando permitido, ocorra de maneira protegida. Assim, a partir de 14 anos, adolescentes podem trabalhar apenas na modalidade de aprendiz, e a partir dos 16 anos, com restrições ao trabalho noturno, insalubre e perigoso, podem receber outras contratações com carteira assinada.
Em que pesem as determinações legais, em 2016, havia 2,4 milhões de crianças e adolescentes, de cinco a 17 anos, em situação ilegal de trabalho infantil, sendo que o número de pessoas negras nestas situações de trabalho é maior do que o de não negros (1,4 milhão e 1,1 milhão, respectivamente).
Entre as piores formas de trabalho infantil, reconhecidas nacional e internacionalmente, figura o tráfico de drogas, o qual sequer é contabilizado nesses números. Nesse sentido, a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)[3] identifica a “utilização, recrutamento e oferta de criança[4] para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes”, como uma das piores formas de trabalho infantil, junto ao abuso sexual e à escravidão.
Crianças e adolescentes que são envolvidos na atividade do tráfico de drogas apresentam uma condição paradoxal: são, ao mesmo tempo, vítimas e suspeitos de atos infracionais[5]. Porém, atualmente, a condição de suspeito pela prática infracional, recebe maior relevância do que a condição de vítima[6].
Segundo o Levantamento Anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), 22% (6.254)[7] de adolescentes e jovens privados de liberdade foram condenados por atos infracionais análogos ao tráfico de drogas. No âmbito das medidas socioeducativas em meio aberto, a maioria dos adolescentes, quase 25 mil, haviam sido condenados por atos análogos ao tráfico de drogas.
Outro dado preocupante é o referente ao número de mortes de adolescentes e jovens. O Altas da Violência aponta que 51,8% dos óbitos de pessoas entre 15 e 19 anos se deu por homicídio. As vítimas, em sua grande maioria, são jovens negros, moradores de comunidades periféricas e com pouca escolaridade. Esses dados têm uma relação direta com o tráfico de drogas e as “guerras” que se dão tanto no enfrentamento com a polícia como entre os próprios grupos criminais.
O envolvimento em atividades relacionadas ao tráfico, ainda que não seja determinante, “exerce influência crescente no contexto de vida do adolescente, no que diz respeito ao risco de ver-se submetido a cenários de exceção”[8]. Nesse sentido, é urgente o desenvolvimento de políticas públicas, especialmente nos territórios mais periféricos, que previnam o envolvimento de adolescentes e jovens com o tráfico de drogas, com destinação orçamentária privilegiada para garantir os direitos dessa parcela da população, conforme preconiza a regra da prioridade absoluta.
*Ana Claudia Cifali e Mayara Silva de Souza são advogadas da equipe do Prioridade Absoluta
[1] O artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal estabelece a proibição de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
[2] Lei Federal nº 8.069 de 1990.
[3] Agência das Nações Unidas fundada com o objetivo de promover a justiça social.
[4] Para a Organização das Nações Unidades criança é todo ser humano com menos de 18 anos de idade.
[5] Segundo o ECA, considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
[6] Ramos, Cynthia. Percepção da Justiça da Infância e Adolescência sobre o Trabalho Infantil no Tráfico de Drogas.
[7] Crianças suspeitas pela prática infracional são atendidas por meio de medidas protetivas.
[8] Cunha, Victoria Hoff da. Trajetórias de (des)territorialização e violação de Direitos Humanos dos jovens que cumpriram medida socioeducativa de internação na cidade de Porto Alegre. In Justiça Juvenil na Contemporaneidade II. Costa; Eilberg e Goldani (orgs.). Porto Alegre: UFRGS, 2018.