A regulamentação de audiências por videoconferência para o Sistema Socioeducativo está na pauta da sessão desta sexta-feira, 7, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Organizações da sociedade civil se manifestaram pontuando os problemas e violações aos direitos de crianças e adolescentes no uso de mecanismos virtuais para audiências.
A nota pontua a importância do momento de audiência para conversa entre defensor e adolescente, sem interferência externa, bem como para a apuração de eventuais violências por parte do Estado. Também ressalta que a prática aprofundaria as disparidades de acesso à internet entre as famílias dos adolescentes, além de enfatizar a necessidade de proteção dos dados e da prioridade absoluta de crianças e adolescentes.
#VideoconferênciaNão
O Conselho Nacional de Justiça votará amanhã, 7, o Ato Normativo nº 0006101-82.2020.2.00.0000, que regulamenta e estabelece critérios para a realização de audiências, e outros atos processuais, por videoconferência em processos de apuração de atos infracionais e de execução de medidas socioeducativas, durante o período de pandemia de COVID-19. São notórias as fragilidades que o uso de videoconferências apresenta, uma vez que podem promover sistemáticas violações às garantias processuais, previstas no artigo 111 do ECA, e, portanto, à Doutrina da Proteção Integral, prevista constitucionalmente.
As organizações abaixo-assinadas posicionam-se contra essa medida, pelas razões expostas a seguir:
1. Desrespeito a Constituição: a realização de audiências por meio de videoconferência no processo socioeducativo pode acarretar em violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ressaltando que as audiências são atos processuais que merecem o máximo de atenção. A audiência de apresentação, prevista no artigo 184 do ECA, é o ato processual mais importante para o/a adolescente, vez que é a maior expressão do exercício dos direitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso V, da Constituição Federal) no processo de apuração de ato infracional. É, também, a oportunidade em que adolescentes e defensores/as conversam reservadamente, sem interferência externa, estabelecendo ali o vínculo de confiança necessário para o desenvolvimento do devido processo legal, imprescindível para um julgamento justo. Além disso, é o momento de importância fundamental para a denúncia de alguma ilegalidade contra o/a adolescente cometida por agentes do Estado, sobretudo casos de torturas ou agressões, funcionando como instrumento essencial para manutenção da vida e integridade pessoal. A previsão de audiências por videoconferência, além de ignorar a importância da audiência de apresentação, não garante o absoluto sigilo da comunicação entre adolescentes e defensores/as e deixa aqueles/as ainda mais vulneráveis a violências institucionais.
2. Privacidade e proteção de dados: os estados não têm demonstrado preocupação com a segurança das informações veiculadas em audiência, valendo-se de softwares com segurança duvidosa para a realização de tais atos, o que coloca em risco a natureza sigilosa do processo judicial, a privacidade e os dados pessoais dos envolvidos, já que é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes, a quem se atribua a prática de atos infracionais. Importante ressaltar ainda que, para a Lei Geral de Proteção de Dados, o tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado sempre em seu melhor interesse.
3. Participação da família: de acordo com o Levantamento Anual do Sinase de 2017, 81% das famílias de adolescentes atendidos pelo Sistema Socioeducativo dispunham de renda salarial entre “sem renda” e “menos de um salário mínimo”. A desigualdade brasileira atinge significativamente as famílias destes adolescentes e a realização das audiências por videoconferência aprofundará esta desigualdade, vez que não cria condições para a participação familiar, por falta de acesso à internet ou de aparelhos compatíveis com a tecnologia necessária.
4. Prioridade absoluta: Embora seja um mecanismo que aparentemente resolva a questão da não disseminação do vírus, por outro lado, os julgamentos virtuais, não asseguram o respeito às peculiaridades da infância e adolescência – apontadas, também, no Parecer Técnico do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria do Estado de São Paulo.
#VideoconferênciaNão, prioridade absoluta sim!
Assinam a nota:
ADEPTO – Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Tocantins – ADEPTO
Advocacia Guimarães
Agenda Nacional pelo Desencarceramento
AMAR NACIONAL – Associação de Mães e Amigos da Criança e Adolescente em Risco
AMEA – Grupo de apoio a familiares de presos na Paraíba
ANCED/Seção DCI Brasil – Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
ANDI – Comunicação e Direitos
Assessoria Popular Maria Felipa
Associação Beneficente Amar
ASUSSAM-MG – Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais
CEDECA Emaus – Centro de Defesa de Crianças e Adolescentes
CEDECA Interlagos – Centro de Defesa de Crianças e Adolescentes
CEDECA Sapopemba – Centro de Defesa de Crianças e Adolescentes
CENDHEC – Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social
CJ CEPE – Centro de Juventude
Coletivo Amazônico LesBiTrans
Coletivo Bronx
Comissão da Infância e Juventude da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos
Comissão de Advocacia Popular da OAB-PE
Comissão de Direito Socioeducativo da OAB-RJ
Comissão de Direitos Infantojuvenis da OAB-SP
Conectas Direitos Humanos
Conselho Tutelar Pedreira
COOHABRAS Cooperativa Habitacional Central do Brasil
CRP-SP – Conselho Regional de Psicologia do Estado de São Paulo
Defensoria Pública do Estado de Goiás
Defensoria Pública do Estado do Ceará
Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo
Defensoria Pública do Estado do Pará
Espaço Cultural Cazuá
Fórum das Juventudes da Grande Belo Horizonte
Frente Estadual Pelo Desencarceramento
Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo
Frente Estadual pelo desencarceramento do Amazonas
GAJOP-PE – Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares
Grupo de Trabalho Desencarcera Pernambuco
Ibura Mais Cultura
Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas
Instituto Alana
Instituto Co-Labore
Instituto Mundo Aflora
Instituto Pro Bono
ISER – Instituto de Estudos da Religião
ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
Lar Irma Amalia
Liberta Elas
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
MNMMR-PB – Movimento Nacional de Meninos(as ) de Rua da Paraíba
MNU – Movimento Negro Unificado
MOFUCE – Associação Casa do Estudante de Minas Gerais
Movimento Moleque
Movimento Social e Cultural Cores do Amanhã
Nova Frente Negra Brasileira
ONG Fonte da Vida
Organização de Direitos Humanos-Projeto Legal
Pastoral Carcerária Nacional
PBPD – Plataforma Brasileira de Política de Drogas
Penitenciária Estadual de Piraquara II
PEPGSS PUCSP – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças e Adolescentes
Rede de comunidade e Movimento contra violência
Rede Justiça Criminal
Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
RENAP-PE – Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares
Usina da Imaginação
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