A ampliação do acesso à Internet na rede pública de ensino é essencial para alcançar tanto o desenvolvimento da educação, quanto a redução das desigualdades estruturais e da exclusão, especialmente no mundo digital
* Por Letícia Claro
O acesso universal à Internet é um direito fundamental que deve ser assegurado a todos, a fim de garantir a conectividade, acesso equitativo, e de qualidade. Caracteriza-se como um importante instrumento para a efetivação de inúmeras oportunidades e outros direitos, principalmente no desenvolvimento econômico, cultural e social, como no direito à educação acessível e inclusiva. Esse reconhecimento encontra escopo no entendimento do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e de órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
O acesso à Internet é uma demanda urgente, contudo, são diversos os obstáculos para a redução da chamada “brecha digital”, ressaltando que a desigualdade intensifica-se ainda mais em face de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Segundo a pesquisa TIC Kids Brasil 2018, no país, 4,8 milhões de crianças e adolescentes, entre 9 e 17 anos, vivem em domicílios sem acesso à rede.
No âmbito escolar, a Internet garante muitos benefícios, tanto para os professores quanto para os alunos. Para além da educação formal, possibilita que as crianças e adolescentes tenham acesso a uma ampla variedade de conhecimentos, jogos e conteúdos educativos, sendo complementares à sua educação formal. No entanto, constatou-se que o ambiente escolar não é capaz de garantir o acesso à rede para o público infantojuvenil no país. De acordo com a pesquisa mencionada, 1,4 milhão de crianças e adolescentes não acessam a Internet na escola, sendo um dos locais em que reportaram ter acessado a rede em menores proporções (33%). Ainda, com base nos dados fornecidos pelo CGI.br, é possível perceber disparidades regionais quanto à qualidade e velocidade da conexão nas escolas: a região Sul do Brasil detém a proporção mais alta de uso da Internet na escola (43%), em contraposição, a região Norte, que apresenta o menor percentual (24%).
Conforme pesquisa TIC Educação 2019, apenas 37% dos alunos de escolas públicas urbanas acessaram a Internet na escola em 2019, sendo que em 26% destas escolas não havia nenhum computador disponível para uso em atividades educacionais, enquanto a proporção de escolas rurais sem infraestrutura de conexão é de 51%. Ademais, apesar de 92% das escolas disporem de acesso à Internet via rede WiFi, em diversas escolas o acesso dos alunos era limitado.
Os professores também demonstram preocupação em relação à ausência de acesso à internet nas escolas. Em consonância com informações do CGI.br, em 2019, 74% dos professores de escolas públicas urbanas e 39% dos responsáveis por escolas rurais afirmaram que a presença de equipamentos obsoletos e ultrapassados nas escolas, dificultando muito o uso de tecnologias digitais com os alunos. Já a proporção de docentes que citou a insuficiência de computadores conectados à Internet como barreira para o uso de tecnologias com os alunos foi de 78%. A baixa qualidade da conexão foi um fator de dificuldade citado por 70% dos professores da rede pública.
Nesse contexto, verifica-se que o acesso ao ambiente digital nas escolas, tanto no que se refere à conectividade oferecida, quanto aos níveis de apropriação das tecnologias no ensino e na aprendizagem, trata-se de um fenômeno multifacetado, isto é, decorre de inúmeras causas, como ausência ou insuficiência de velocidade da conexão, fibra óptica e cabos, recursos para WiFi e equipamentos adequados; e necessidade de qualificação dos professores e elaboração de planos político-pedagógicos que incluam a educação digital.
Em contextos excepcionais, como o da pandemia decorrente da proliferação do COVID-19, essas violações assumem maior grau de importância. A veiculação de informações sobre prevenção, dados de saúde pública, o acesso à educação remota, a garantia da convivência familiar e comunitária e a participação social e política precisam ser, em decorrência das medidas sanitárias, asseguradas no ambiente virtual.
No que se refere, especificamente, à educação remota neste cenário, as estratégias de ensino à distância expuseram ainda mais as disparidades digitais já existentes. Conforme divulgado pela pesquisa Painel TIC COVID-19, 36% dos usuários de internet com 16 anos ou mais, que frequentam escola ou universidade, tiveram dificuldades para acompanhar as aulas por falta ou baixa qualidade da conexão.
Quando se trata de crianças e adolescentes, a exclusão digital pode significar a violação de direitos como a liberdade de expressão, acesso à informação e participação, direito à educação, à cultura e ao lazer, e direito à convivência familiar e comunitária, os quais, nos termos do artigo 227, da Constituição Federal, devem ser assegurados com absoluta prioridade. Assim, constata-se que a continuidade e a expansão de políticas educacionais em tecnologia, especialmente públicas, e a ampliação dos investimentos para sua implementação e gestão são condições essenciais para a superação da exclusão digital reproduzida em ambientes escolares.
Nesse sentido, para fazer frente ao problema, foi desenvolvido pelo Ministério da Educação e parceiros o Programa de Inovação Educação Conectada, que visa apoiar a universalização do acesso à internet de alta velocidade e fomentar o uso pedagógico de tecnologias digitais na educação. Porém, são relatados problemas com relação ao repasse de recursos ano a ano, isto é, não foi garantido um fluxo de repasse contínuo. Ainda, o Programa poderia ser aprimorado para alcançar e garantir a conexão de um número maior de escolas, uma vez que, atualmente, para usufruírem do benefício, as unidades devem seguir os critérios, estabelecidos pelo MEC, de elegibilidade, inclusão, classificação e confirmação.
Além disso, em 2018, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 142/2018, que institui a Política de Inovação Educação Conectada, buscando institucionalizar tal programa como política pública, com o objetivo de garantir o acesso à internet, com fins educacionais, aos alunos e professores da educação básica pública. Até o momento de elaboração deste artigo, o PLC nº 142/2018 aguarda ser apreciado no Senado Federal. Ainda, ressalta-se o Projeto de Lei (PL) nº 3477/2020, que dispõe sobre a garantia de acesso à internet, com fins educacionais, aos alunos e professores da educação básica pública, o qual, apesar de aprovado no Congresso Nacional, foi vetado pelo Presidente da República, sob a justificativa de que a medida não apresentava estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro.
Pelo exposto, conclui-se que, em razão da realidade desigual em termos de inclusão digital, a análise do acesso à internet como direito faz-se necessário, para que sejam adotadas medidas a fim de mitigar as preocupantes limitações determinadas pela região ou classe social dos usuários, especialmente crianças e adolescentes. Bem como para a ampliação do acesso à Internet na rede pública de ensino, objetivando alcançar tanto o desenvolvimento da educação, quanto a redução das desigualdades estruturais e da exclusão, especialmente no mundo digital.
Letícia Claro é estudante de direito e estagiária do Instituto Alana*