Durante a atual pandemia de Covid-19, diversos direitos de pessoas em privação de liberdade têm sido violados, como o direito à saúde, à educação, à alimentação adequada e o acesso à justiça. De acordo com dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), 31% das unidades prisionais do país não oferecem nenhuma assistência médica, o que é alarmante, especialmente tendo em vista que a letalidade do coronavírus entre presos brasileiros é cinco vezes maior do que para a população em geral.
Com o objetivo de que seja reconhecido o descumprimento de preceitos fundamentais na gestão penitenciária durante a pandemia, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) propôs, em maio, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº684. A ADPF pede providências para evitar disseminação da Covid-19 no sistema carcerário, em consonância com a garantia dos direitos humanos, em especial o direito à dignidade da pessoa humana.
É importante destacar a maior vulnerabilidade de mulheres gestantes e mães nesse cenário e que a proteção à maternidade e a norma constitucional da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, garantida no artigo 227 da Constituição Federal, também têm sido violadas. Em razão disso, o Instituto Alana, por meio do Prioridade Absoluta, solicitou fazer parte do processo como amicus curiae, a fim de colaborar com aparato técnico-jurídico e histórico sobre o tema.
A organização alerta para a urgência de cessar violações aos direitos de crianças cujas mães encontram-se encarceradas, especialmente os direitos à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além dos direitos de estar a salvo de toda forma de negligência, de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O documento aponta o papel do Sistema de Justiça na garantia da absoluta prioridade dos direitos e melhor interesse de crianças e adolescentes; as condições das gestantes, lactantes e mães de crianças até 12 anos ou de pessoa com deficiência nas unidades prisionais do Brasil; elenca violações aos direitos de gestantes, mães e crianças, decorrentes do encarceramento durante a pandemia de SARS-CoV-2 à luz da prioridade absoluta; e cita normativas sobre o direito à prisão domiciliar.
“Mulheres gestantes e lactantes enquadram-se no grupo de maior risco, ou seja, pessoas mais suscetíveis e vulneráveis à infecção pelo novo coronavírus. Deste modo, tanto nos casos em que as mães permanecem com as crianças na prisão, quanto nos casos em que ocorre a separação de mães e filhos, viola-se a regra da prioridade absoluta das crianças do Artigo 227 da Constituição Federal, ensejando, portanto, o reconhecimento de uma falha sistêmica do Poder Judiciário em promover a aplicação da lei e a garantia do direito de crianças e mulheres”, afirma o documento.
Por fim, solicita aos juízes e Tribunais, a substituição das prisões preventivas pelas medidas cautelares alternativas previstas no Código de Processo Penal ou pela prisão domiciliar de gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por pessoa menor de 12 anos ou com deficiência. “Em quaisquer circunstâncias, deve ser assegurado o melhor interesse da criança, o qual, no contexto de precariedade prisional e pandemia, significa garantir o convívio e a permanência da criança com a mãe fora de estabelecimentos prisionais”, conclui.
Atuações anteriores
O Instituto Alana atuou, anteriormente, como amicus curiae, no Habeas Corpus nº 143.641, que visava à concessão da ordem e a revogação da prisão preventiva decretada contra todas as gestantes e mulheres com filhos de até 12 anos de idade ou de pessoa com deficiência como medida de extrema urgência, pela preservação da vida e da integridade física das crianças e das mulheres. Em fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF), reconhecendo o direito previsto no Marco Legal da Primeira infância, concedeu a essa população a possibilidade de aguardar o julgamento em regime domiciliar.
Documentos relacionados:
11.5.2020 – Petição inicial ADPF 684
2.7.2020 – Pedido de amicus curiae
Foto: Leo Drumond/Livro Mães do Cárcere