Por Thaís Taddei Harari*
No Brasil, cerca de 3 milhões de mulheres de 20 a 24 anos se casaram antes de alcançar a maioridade, ou seja, os 18 anos. O número corresponde a nada menos que 36% dos indivíduos do sexo feminino dessa faixa etária e coloca o Brasil em primeiro lugar na América Latina e quarto no mundo em termos de casamentos realizados durante a infância e a adolescência.
A união matrimonial realizada antes dos 18 anos abre as portas para uma série de violações de direitos humanos, em especial de meninas. Grande parte delas — sem a maturidade física e emocional necessárias — casam-se com homens mais velhos.
Pesquisa conduzida pela organização Promundo, em 2015, analisou casamentos de menores de idade realizados nos dois estados brasileiros com maior prevalência da prática[1], Pará e Maranhão. As meninas entrevistadas, em média, casaram e tiveram o primeiro filho com 15 anos, sendo os homens cerca de 9 anos mais velhos.
A verdade é que, nesses contextos, o casamento é comumente entendido como uma suposta solução a diversas questões. Pode-se falar, aqui, em gravidez indesejada, na tentativa de controlar a sexualidade de meninas, na aspiração de familiares por maior segurança financeira e mesmo no desejo de emancipação, na liberdade de deixar a casa dos pais.
É importantíssimo, contudo, que o casamento não seja visto como uma simples escolha dessas meninas. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA — Lei nº 8.069/90) estabelece que indivíduos com menos de 18 anos são pessoas em peculiar condição de desenvolvimento, razão pela qual merecem proteção especial. Não é à toa que a legislação civil estabelece os 18 anos como idade legal à união matrimonial.
O casamento realizado ainda na infância ou adolescência afeta negativamente o desenvolvimento de meninas com menos de 18 anos, tendo impacto direto sobre saúde, educação, trabalho e renda familiar.
O estudo “Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência”, lançado pelo Banco Mundial, mostra, por exemplo, que meninas que se casam antes dos 18 anos têm uma probabilidade 22% maior de sofrer violência do seu parceiro íntimo do que as que se casam mais tarde.
O casamento infantil pode ser apontado, também, como um fator de perpetuação da pobreza. O estudo do Banco Mundial mostrou que, em países onde a idade legal para o casamento é de 18 anos ou mais, o número de meninas matriculadas no ensino secundário é em média 14% mais alta se comparado a lugares nos quais essa idade é menor. Como consequência de níveis educacionais mais baixos, o estudo apontou, também, maior dificuldade das mulheres na obtenção de um emprego.
Nesse contexto, a formulação de políticas públicas específicas revela-se essencial para combater o casamento infantil. É imprescindível, por exemplo, que o tema seja incorporado à agenda dos integrantes do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente, de forma que não apenas as consequências do casamento infantil sejam objeto de políticas públicas.
A fim de que uma mudança efetiva se concretize, é preciso, também, garantir o comprometimento de diversos setores. Isso porque, como o casamento infantil é um tema transversal, faz-se necessário implementar ações no âmbito da saúde, educação, infância e juventude.
Dado que as consequências do casamento infantil são ainda pouco conhecidas, é preciso promover a conscientização pública acerca do tema, sensibilizando toda a população. Qualquer cidadão deve ter acesso a informações sobre como procurar serviços de apoio e, inclusive, denunciar situações de abuso.
Faz-se necessário, ainda, garantir uma legislação capaz de proteger efetivamente os direitos de crianças e adolescentes. No Brasil, não obstante a lei civil estabeleça os 18 anos como idade legal para o casamento, há brechas que permitem a união marital por crianças e adolescentes. O Código Civil, por exemplo, permite que jovens com 16 anos se casem, desde que obtenham a autorização dos pais. A lei permite, ainda, o casamento de menores de 16 anos em caso de gravidez.
Diferentemente do que acontece em grande parte dos países no mundo, inexiste, no Brasil, qualquer tipo de punição aplicável àqueles que autorizam, realizam ou contraem casamento em desrespeito à lei. Aqui, nos termos da legislação civil, um casamento realizado com um menor de idade é simplesmente anulável.
O Projeto de Lei 7.119/2017, de autoria da deputada Laura Carneiro (PMDB/RJ), pretende alterar — ao menos em parte — esse cenário. A proposição confere nova redação ao artigo 1.520 do Código Civil, de forma a suprimir exceções legais ao casamento de menores de 16 anos.
O projeto foi aprovado na Comissão dos Direitos da Mulher e está, agora, na Comissão de Seguridade Social e Família, onde aguarda votação do parecer, com substitutivo, da relatora Deputada Carmen Zanotto, cujo texto é ainda mais protetivo do que a proposição original.
A parlamentar entende que a proibição do casamento de menores de 16 anos não é suficiente para proteger os direitos de crianças e adolescentes. Dessa forma, em seu substitutivo, sugere a alteração do artigo 1.520, do Código Civil, para proibir a união civil de menores de 18 anos, bem como a revogação dos artigos 1.517, 1.518 e 1.519, do mesmo diploma, que dispõem sobre o casamento de indivíduos com mais de 16 e menos de 18 anos.
Não obstante tenha sido incluído em pauta para votação no dia 06.12.2017, o parecer não foi votado na Comissão de Seguridade Social e Família, vez que três deputados — Adelmo Carneiro Leão, Mandetta e Mário Heringer — fizeram pedidos de vista.
Na Câmara dos Deputados, o projeto deve passar ainda pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser encaminhado ao Senado Federal.
Nesse momento, é de suma importância que todos se mobilizem, pressionando os congressistas pela aprovação do Projeto de Lei 7.119/2017, tão caro à proteção da infância e da adolescência. Vale mandar e-mails e mensagens nas redes sociais de todos os deputados que compõem a Comissão de Seguridade Social e Família, pedindo que votem pela aprovação do projeto de lei[2].
Lutar pelo fim do casamento infantil é essencial para alcançar a igualdade de gênero e garantir uma vivência plena da infância e da adolescência, sem violação de direitos.
* Thaís Taddei Harari é formada em jornalismo, estudante de Direito e faz parte da equipe de Advocacy do Alana.
Notas
[1] IBGE, Censo Demográfico 2010. Disponível em: censo2010.ibge.gov.br. Acesso em 05.10.2017.
[2] Os contatos dos deputados estão disponíveis no site da Câmara dos Deputados, acesse aqui.