Por Thais Dantas*
No mundo, 168 milhões de crianças com idade entre 5 e 17 anos têm sua mão de obra explorada (OIT, 2012). Um número, sem dúvida, chocante. No Brasil, apesar da vedação ao trabalho infantil prevista na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e dos avanços alcançados por políticas públicas bem sucedidas, é ainda grande o número de crianças e adolescentes trabalhando: o país hoje soma 1,3 milhões de pequenos trabalhadores nessa mesma faixa etária (PNAD, 2013). Somente entre crianças de 5 e 13 anos, há 554 mil trabalhadores (IBGE, 2014): valor que indica um aumento do índice, após dez anos de sucessivas quedas.
Vale destacar que dois fatores agravam a vulnerabilidade de crianças e adolescentes quando a questão é o trabalho, segundo levantamento recente. De um lado, o fator etário, que faz com que, atualmente, o trabalho infantil se concentre na faixa de 10 a 15 anos. De outro, a cor da pele, que faz com que majoritariamente crianças negras e pardas estejam entre as principais vítimas de trabalho infantil no Brasil.
Tal cenário contraria a legislação vigente, segundo o qual crianças e adolescentes são constitucionalmente a prioridade absoluta da nação (art. 227, Constituição Federal), devendo ter seus direitos fundamentais atendidos de maneira prioritária.
Mais do que isso, o trabalho noturno, perigoso ou insalubre é proibido a menores de 18 anos, bem como qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.
Vale ainda lembrar que o trabalho infantil não foi vedado à toa. Essa proibição se justifica pelo fato de que o labor precoce prejudica o saudável desenvolvimento infantil. Nesse sentido:
“A exploração do trabalho infantil foi proibida porque se verificou que o trabalho precoce põe em risco a educação e compromete todo o desenvolvimento físico e psicológico de uma criança. Isso ocorre devido à competição que se estabelece entre as atividades de trabalho e as atividades escolares, de esporte e lazer, essenciais para a saudável formação do indivíduo (diminuição do tempo disponível para brincar, conviver com familiares e comunidade, impossibilidade da criança ou adolescente se dedicar adequadamente às atividades educativas dentro e fora do horário escolar). As pesquisas também identificaram danos potenciais: prejuízos ao desenvolvimento biopsicossocial, atraso ou mesmo abandono escolar, impossibilidade de dedicação às atividades extracurriculares, possibilidade de ocasionar transtornos de sono, maior risco de doenças ocupacionais e acidentes” (CAVALCANTE, 2013, p. 139).
Assim, desrespeitar a vedação ao trabalho infantil e explorar a mão de obra de crianças e adolescentes é prejudicar o seu desenvolvimento e gerar danos que podem refletir por toda sua vida.
Pensando o trabalho infantil nos grandes eventos.
Pesquisa recente conclui que determinadas condições podem favorecer a exploração da mão de obra infantil, tais como desemprego, pobreza, desigualdade social e de gênero, deslocamento forçado, entre outros e tais fatores tendem a ser potencializados em contextos de grandes eventos.(Brunel University London, 2013).
Exemplos dessa realidade são o Carnaval e as festas juninas, em que a circulação de pessoas nas ruas aumenta e é grande o número de crianças e adolescentes trabalhando. Nesse contexto, é infelizmente comum presenciar seu trabalho, com atividades de venda ambulante e coleta de material reciclável — duas das piores formas de trabalho infantil, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Outras faces do trabalho infantil: o trabalho artístico e desportivo.
Outras hipóteses de trabalho, menos visibilizadas quando se discute a exploração da mão de obra infantil, são o trabalho artístico e o desportivo.
O trabalho infantil artístico consiste, em linhas gerais, à situação em que a criança ou o adolescente desempenham atividade artística de maneira profissional. É o caso de crianças que atuam, cantam, participam de espetáculos circenses, por exemplo.
Essa modalidade de trabalho é permitida pelo ordenamento brasileiro, que harmoniza as previsões constitucionais de vedação ao trabalho infantil e de livre manifestação artística. Tal permissão fica ainda mais clara com a Convenção nº 138 e a Recomendação nº 146 da OIT, que foram ratificadas pelo Brasil por meio do Decreto nº 4.134 de 2002. Tais diplomas autorizam o trabalho infantil quando este tem como finalidade a participação da criança em representações artísticas.
Já a atividade desportiva somente corresponde a trabalho no caso do chamado “desporto por rendimento”, que é aquele atleta treinado profissionalmente para fins de obtenção de resultados, nos termos do artigo 3º, III da Lei Pelé (Lei 9615 de 1998), sendo isso permitido somente após os 14 anos, por meio do contrato de aprendizagem, como prevê o artigo 29, §4º da mesma lei.
Vale destacar que, para ambas as hipóteses de trabalho, é necessária autorização judicial prévia, a qual deve identificar os riscos do trabalho e estabelecer balizas capazes de proteger os direitos da criança e do adolescente, fixando critérios como os dias e as horas trabalhados, a assistência médica e psicológica, entre outros aspectos que respeitem a condição peculiar de desenvolvimento desses indivíduos.
Embora o trabalho infantil seja permitido nas hipóteses citadas, é importante frisar que nenhuma atividade deve sobrecarregar a criança ou o adolescente a ponto de prejudicar o seu desenvolvimento; ou então estaremos diante de hipótese de trabalho penoso, vedado pelo artigo 67, II do ECA.
A proteção da criança e do adolescente
Políticas públicas de combate, fiscalização e prevenção ao trabalho infantil são fundamentais e devem receber destinação privilegiada de recursos públicos por se tratarem de estratégias focadas na proteção à infância e à juventude, nos termos do artigo 4º, IV do ECA.
A preocupação com a criança e o adolescente é fundamental para que o país continue avançando na erradicação do trabalho infantil, não somente em indicadores sociais, mas também na realidade concreta de crianças e adolescentes — que, não podemos esquecer, devem ser nossa prioridade absoluta.
Thaís Dantas* é advogada do programa Prioridade Absoluta, do Alana