Por Paulo Rená*
A partir da minha experiência, posso afirmar que a presença efetiva de uma figura paterna na vida dos filhos oferece a cada integrante da família ótimos motivos para celebrar o dia dos pais. Homens, mulheres e, claro, as crianças, todo mundo pode se beneficiar bastante, cada pessoa a sua maneira.
Para mim, além de assumir a responsabilidade por prover condições materiais para o nascimento e crescimento de uma nova vida, ser pai abriu uma grande oportunidade de crescimento pessoal. A começar pela participação durante a gravidez, oferecer todo o tipo de apoio, em especial emocional, exigiu de mim saber enxergar com empatia as fragilidades de outra pessoa e trabalhar em mim uma atribuição para a qual jamais fui treinado: ser marido de mulher grávida.
Nossa cultura brinca com a coisa dos desejos por comidas exóticas ou inoportunas, mas saber me colocar como coadjuvante durante meses não é algo trivial que eu pudesse ter aprendido lendo quadrinhos ou vendo desenhos de super-herói. Sem a presença física de um ser crescendo na minha própria barriga, ir a 100% das consultas pré-natais e buscar informações foi a ponte que me empoderou, pouco a pouco, para a condição de “pai”.
Chega então o parto, e a partir das primeiras contrações (claro, de madrugada) a montanha russa de emoções acelera com tudo. Preparei-me para o momento, li algumas coisas, delegamos a função de filmar e tirar fotos, e pude estar presente de verdade. Busquei enfrentar toda a burocracia hospitalar, mas na sala de parto eu me permiti sentir tantas coisas, entre angústias e receios, tudo superado e extravasado em lágrimas de alegria com o nascimento do meu primeiro filho.
Começou com o suporte no início da amamentação. Em seguida fui aprendendo, do zero, a lidar com chorinhos e chorões, xixis e cocôs, fraldas e roupas de tudo quanto é fecho. Assumi a “titularidade” do banho e aquilo era sempre um momento sublime, inclusive nos dias mais atribulados. Passados três anos, já brinco bastante, leio bastante e curtimos juntos uma infinitude de personagens da cultura pop. Os mais legais são os que ele inventa, mas nada tem funcionado melhor para ninar um menino agitado do que as histórias em que os super heróis precisam dormir para renovar as energias.
Toda essa participação masculina implica uma correspondente liberação da mulher. A cada tarefa que o pai toma pra si, o dia da mãe se torna mais leve. Se há muitas famílias chefiadas por mães solteiras, percebo entristecido alguns casais em que o homem acomodado acaba exigindo da mulher que sejam não só uma majestosa “rainha do lar”, mas verdadeiras guerreiras, gestoras quase mitológicas, até a exaustão. A carga emocional e mental de estar 24 horas vivendo um ambiente de deveres infinitos e repetitivos não é nada saudável.
Por isso, tento me dedicar a aprender sempre como me encarregar de fazer mais alguma coisa em casa. Encaro a louça suja, os sacos de lixo etc. como um compromisso meu de reconhecer para minha companheira o conforto de uma liberdade que a cultura injustamente só garante para mim, como homem. Todo empenho é recompensado se ela demonstra não estar sobrecarregada. Ser um pai presente e um companheiro devotado não é nada fácil, mas creio ser meu dever, até em respeito à pessoa que tanto me faz feliz.
E, por fim, a pessoa mais importante nisso tudo, porque quem mais vai ser afetada pela minha presença, meu filho. Lembro dos bons momentos que eu mesmo tive com meu pai, ao longo desses 34 anos, reflito sobre a influência do meu sogro sobre minha esposa, e reivindico a responsabilidade de fazer ainda mais. Em especial, quero abdicar da função de ser o pai carrancudo, chato e racional, desprovido de alegria, de diversão e de afeto.
Quero empurrar carrinho de bebê, brincar de carrinho, contar história e escolher desenho animado, dar almoço e dar banho, dar bronca e dar carinho, receber abraço e dar beijinho em machucado, dizer e ouvir eu te amo. Pequenas coisas do dia a dia que vão servir de parâmetro para como meu filho vai construir sua percepção do mundo. E aí minha missão acaba sendo também criar um menino que possa vir a ser um pai melhor do que eu.
Aproveito pra ressaltar que, por uma série de coincidências, tive o privilégio de conviver os primeiros 30 dias de forma integral. Mas e os outros pais que não têm recesso de fim de ano e férias para acumular com os pouquíssimos dias de licença paternidade? Além de toda a imensa carga cultural, desequilibrada na distribuição social dos papéis familiares, sem uma legislação que assegure um tempo mínimo de dedicação para os primeiros meses de vida da criança, a participação paterna vai ter mais um obstáculo: o mercado de trabalho.
E mesmo os “imensos” 20 dias ainda são um período ridículo. Meu atual horizonte de possibilidade, a bandeira pela qual luto, é a licença compartilhada. Em resumo, diferente da atual previsão, em que há licença maternidade de 120 dias e licença paternidade de (até) 20 dias, na licença compartilhada ambos precisam se afastar por um tempo mínimo, mas cabe ao casal escolher como dividir todo o período de afastamento, definindo quem irá cuidar prioritariamente da criança recém-nascida ou recém-adotada.
Assim como há um tempo pelo qual a amamentação é essencial, essa alimentação natural não precisava ser o que na maioria dos casos acaba sendo para a mãe: um sacrifício para a saúde física e mental, a morte da vida social e um freio de mão puxado para a carreira profissional. O pai não tem peito, mas tem colo, tem mão pra arrumar a casa e tem pé para levar pra passear.
O segundo domingo de agosto vai se consolidando aqui em casa como uma espécie de natal. Não pelo significado comercial de ganhar presentes, mas pela reunião de familiares e compartilhamento dos bons momentos dos últimos meses. Esse ano, foram doze meses em que a alegria de ser pai foi vivida todos os dias, como uma celebração para toda a família.
Paulo Rená* é pai, mestre em direito, professor universitário, fundador do Instituto Beta: Internet & Democracia e integrante da iniciativa “Com Licença, por favor”