Por Natan Antonio Rodrigues Soares e Thaís Nascimento Dantas*
No último mês de novembro, foram publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) sobre o trabalho infantil, tendo como referência o ano de 2016. Seu teor vem sendo motivo de grande preocupação entre especialistas, pois, por uma mudança metodológica, a pesquisa pode ter deixado de contabilizar 716 mil crianças que trabalham para seu próprio consumo, ocupação em que há maior incidência de trabalho infantil abaixo de 13 anos.
O valor apurado por referida pesquisa é de 1,8 milhão, o que, somado aos 716 mil não contabilizados, revela o preocupante número de 2,5 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando — valor que vem sendo reduzido ao longo dos anos, mas ainda é bastante elevado, a despeito da vedação legal.
No Brasil é proibido qualquer trabalho aos menores 16 anos, exceto na condição de aprendiz, que pode ser exercida a partir dos 14 anos, sendo também vedado o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos, conforme previsão do artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal. Ainda, os artigos 60 a 69 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), em complemento ao texto constitucional, regulam a profissionalização e proteção no trabalho.
No entanto, medidas governamentais recentes podem enfraquecer a proteção à infância e à adolescência, ao precarizar as políticas de enfrentamento e prevenção ao trabalho infantil.
De um lado, tem-se o corte orçamentário de verbas no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que irá prejudicar as ações de fiscalização de trabalho infantil e escravo. Somente em 2016, foram feitas 5.765 inspeções de trabalho infantil, sendo que, em 3.615 dos casos, constatou-se a ocorrência de situações classificadas como piores formas de trabalho infantil, o que demonstra a contínua necessidade de fiscalização.
De outro, a Portaria 1.129 de 2017 do Ministério do Trabalho e Emprego, ao restringir o conceito de trabalho escravo à violação da liberdade, cria dificuldades para a prevenção, fiscalização e libertação de trabalhadores, o que impacta também crianças e adolescentes, na medida em que o trabalho escravo afeta todo o núcleo familiar, conforme expõe a nota pública do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). A boa notícia é que, no último dia do ano de 2017, uma nova portaria neste tema foi editada. O novo texto substitui oficialmente a portaria de outubro, que já estava suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal.
Nesse contexto de constantes ameaças aos direitos humanos, é fundamental somar esforços para proteger crianças e adolescentes do trabalho precoce.
Assim, aumenta nossa responsabilidade de fiscalização. Quando presenciarmos uma situação de trabalho infantil, é preciso denunciar para o Disque Direitos Humanos (100), ou ainda comunicar o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Conselho Tutelar da região.
Além disso, é de suma importância o comprometimento do poder público em continuar investindo na erradicação do trabalho infantil — e não tomando medidas que tendem a contribuir para sua propagação. Crianças e adolescentes, por força da norma constitucional da absoluta prioridade, têm preferência na formulação e execução de políticas públicas e devem receber a destinação privilegiada de recursos, de modo que, a cada vez que políticas são descontinuadas e recursos são cortados, o poder público viola tal norma.
Além de evitar retrocessos na erradicação do trabalho infantil, é preciso avançar nesse tema. Somente com comprometimento de todas e todos é que isso será possível e o país protegerá, de fato, nossas crianças e adolescentes.
Natan Soares é estudante de Direito e faz parte da equipe do programa Prioridade Absoluta, do Alana.
Thaís Dantas é advogada do programa Prioridade Absoluta.