A atual pandemia tem evidenciado, ainda mais, as desigualdades da sociedade brasileira: segundo o IBGE, um quarto da população está abaixo da linha da pobreza e enfrenta maiores restrições de acesso à internet, saneamento básico, educação, condição de moradia e proteção social. Quase metade das crianças de 0 a 14 anos no país também está nesse grupo e têm seus direitos fundamentais – à escola, à saúde, à vida, etc – violados cotidianamente.
Para conversar sobre essas questões e trazer reflexões sobre a importância de considerar as desigualdades sociais e a absoluta prioridade de crianças e adolescentes, como determina o artigo 227 da Constituição Federal, durante o enfrentamento à pandemia, aconteceu, na última sexta-feira (29/5), a décima edição do Expresso 227. Exibida no canal do Instituto Alana no Youtube, essa série de debates ao vivo tem o objetivo de dar visibilidade às discussões relacionadas aos direitos da criança, por meio da participação de convidados especialistas nos temas.
Mediada por Renata Assumpção, coordenadora de comunicação do Prioridade Absoluta, a conversa contou com a participação de Suelaine Carneiro, socióloga, mestre em educação e coordenadora da área de educação de Geledés Instituto da Mulher Negra; de Edna Araújo, enfermeira, professora, doutora em Saúde Pública e integrante do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); e Marina Pita, coordenadora do Intervozes, Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Iniciando a conversa, Renata Assumpção pontuou que a chegada de uma crise nas proporções do corona, que tem afetado transversalmente as populações de boa parte do mundo, trouxe à mesa, para o horário nobre das discussões, inclusive governamentais, as desigualdades brutais que estão estabelecidas no mundo e, em especial, no Brasil. Também mencionou um estudo recente do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) que mostra que, em razão da política de austeridade, conhecida como Teto de Gastos, com cortes e redução do investimento em políticas sociais, bem como na saúde, o Brasil já estava com baixa imunidade antes de encontrar o coronavírus.
O enfrentamento a pandemia revelou não só a insuficiência do Sistema de Saúde brasileiro, mas o fato de que o nascer, viver, adoecer e morrer da população negra é mediado por condições de miserabilidade, de privação de direitos, de moradia e de emprego formal. Edna Araújo explicou que o racismo tem um papel fundamental para a manutenção das desigualdades sociais. “A questão econômica não explica totalmente as desigualdades. Há algo além da questão da pobreza, que é o racismo, que leva crianças negras a terem mais problemas de saúde como desnutrição e insegurança alimentar, por exemplo, e contribui para que crianças negras morram mais por homicídio e sejam expostas a maiores riscos”.
Suelaine Carneiro pontuou sobre a importância das escolas no enfrentamento às desigualdades e como fica esse papel em um momento em que o convívio físico está impossibilitado. “A escola tem um papel fundamental de sociabilidade, mas para um grupo de crianças é um espaço de proteção, refúgio, alimentação e higienização também. Hoje, com o isolamento, tem que se pensar no impacto disso na vida das crianças”. A especialista explicou que esse momento deveria estar sendo usado para repensar a educação e a função social da escola. “A gente está vivendo um momento em que toda a área da proteção social está sofrendo cortes, principalmente em função da Emenda Constitucional 95. Sem recursos muitas crianças não terão a possibilidade de continuar na escola”, disse.
Durante o período de isolamento, muitas instituições, inclusive escolas da rede pública ensino, têm considerando métodos online para dar continuidade às aulas à distância. Porém, isso escancara ainda mais as desigualdades no acesso à internet no Brasil. Ainda que o estudante esteja conectado, isso não significa que está habilitado para, por exemplo, assistir vídeo-aula, que exige um volume de tráfego intenso.
Marina Pita, mencionou dados sobre o acesso a internet para crianças e adolescentes brasileiros e pontuou sobre como a pandemia intensifica o cenário de desigualdade de conexão e apontou soluções que podem ser adotadas pelo poder público para mitigar esse cenário e garantir a conexão dos estudantes brasileiros que estão com atividades presenciais suspensas.
Concluindo, Renata citou o escritor Valter Hugo Mãe, que diz que a humanidade não começa na gente, mas nos que nos rodeiam. “Há que se considerar que, além da premissa de que uma sociedade que cuida das crianças é melhor para todas as pessoas, nesse momento, se não garantirmos o bem-estar e a saúde dos adultos, quem cuidará das crianças? Precisamos cuidar de quem cuida!”.
O Expresso 227 levanta discussões sobre temas diversos sob o recorte da infância. Você pode acompanhar todas as edições no Youtube do Alana.