É urgente que se coloquem as lentes de aumento para que omissões não sejam a regra ao se tratar do Sistema Socioeducativo, especialmente durante a pandemia do coronavírus
Letícia Carvalho e Mayara Silva*
Até o dia 29 de julho, foram confirmados 2.420 casos de coronavírus no sistema socioeducativo, de acordo o monitoramento semanal realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Destes, 627 são adolescentes e 1.793 são servidores; ainda, dentre estes, há 16 óbitos. Trata-se de uma realidade preocupante que viola o direito à saúde de adolescentes, de profissionais, das famílias e da sociedade como um todo.
Diante da invisibilidade, são necessárias lentes de aumento para lidar com a realidade da população socioeducativa. Porém, os dados acima revelam a inaceitável omissão no cuidado e na proteção a essa parcela da população. Deve-se sempre destacar que todas as crianças e adolescentes, independente da prática de ato infracional, são sujeitos de direitos, conforme diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Não apenas quando em privação de liberdade, mas também quando cumprem medidas socioeducativas em semiliberdade e meio aberto, esses adolescentes são expostos a condições insuficientes de cuidado e proteção, aumentando sua condição de vulnerabilidade, como pessoa em desenvolvimento. Contudo, de acordo com o Artigo 227 da Constituição Federal, é dever compartilhado do Estado, da sociedade e das famílias agir, com absoluta prioridade, para que essa realidade não se torne ainda mais vulnerável. Por isso, devemos nos questionar: como garantir a proteção integral dos direitos de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa durante a epidemia da Covid-19?
Na tentativa de fornecer respostas a este questionamento foi apresentado o Projeto de Lei nº 3.668/2020, na Câmara dos Deputados, de autoria de catorze Deputados Federais, de onze partidos diferentes, e com o apoio de mais de 110 organizações da sociedade civil. Esse projeto “visa regulamentar a manutenção do conjunto ordenado de objetivos e princípios que envolvem a aplicação e a execução das medidas socioeducativas durante o período de crise sanitária causada pela Covid-19”. Mas, o que isso significa? De maneira geral, o projeto de lei prevê a adoção de medidas eficazes de higiene para combater a proliferação do vírus. Tratam-se, porém, de condições mínimas que já deveriam ter sido fornecidas com absoluta prioridade desde o início da pandemia dada a situação insalubre e, por vezes, de superlotação as quais adolescentes e profissionais são submetidos.
Ainda, de acordo com a Recomendação nº 62/2020 do CNJ, o projeto determina que os juízes reavaliem as medidas socioeducativas de internação, para fins de suspensão ou remissão, principalmente daquelas aplicadas a adolescentes e jovens gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por criança de até 12 (doze) anos de idade ou por pessoa com deficiência – indo, também, ao encontro da decisão da Segunda Turma do Suprema Tribunal Federal (STF) que reconheceu o direitos destas adolescentes aguardarem o julgamento em casa. O projeto de lei e a Recomendação do CNJ estendem este direito para adolescentes indígenas, imigrantes, adolescentes com deficiência e demais adolescentes que se enquadrem em grupo de risco, entre outros casos específicos, ou seja, adolescentes que se encontram em um grau maior de vulnerabilidade.
É urgente que se coloquem as lentes de aumento para que omissões não sejam a regra ao se tratar do Sistema Socioeducativo e que, por detrás de cada ação, se reconheça que adolescentes são pessoas em estágio peculiar de desenvolvimento, e seu direito à vida e à saúde estão acima do ato infracional pelo qual são responsabilizados. Ações que reconheçam as vulnerabilidades em que esses adolescentes se encontram, mas que também se voltem para profissionais são o caminho para a construção de uma realidade guiada pelo princípio do melhor interesse de crianças e adolescentes, incluindo, portanto, ações concretas e necessárias como as previstas pelo Projeto de Lei nº 3.668 de 2020.
* Letícia Carvalho é estudante de Direito e estagiária no projeto Justiça Juvenil do programa Prioridade Absoluta.
Mayara Silva de Souza é advogada e responsável pelo projeto Justiça Juvenil do programa Prioridade Absoluta.