No último dia 21, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pelo fim da superlotação em unidades socioeducativas no Brasil, ao julgar o habeas corpus 143.988/ES. Impetrado em maio de 2017 pela Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, o HC contestava a superlotação da Unidade de Internação Regional Norte em Linhares, destinada a adolescentes em conflito com a lei.
Dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), de setembro de 2019, mostram que mais de 18 mil adolescentes estão em privação de liberdade por tempo indeterminado no Brasil, no entanto, o país dispõe de apenas 16.161 vagas para internação no Sistema Socioeducativo. Somado a esse panorama de superlotação, até o dia 19 de agosto, foram confirmados 3.049 casos de coronavírus no sistema socioeducativo, com 17 óbitos, segundo dados de monitoramento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nesse total de infectados, 765 são adolescentes e 2.284 são servidores.
Para propor reflexões sobre a superlotação do sistema socioeducativo e a importância de zelar pela vida, saúde e integridade de adolescentes em privação de liberdade, funcionários, educadores e familiares do Sistema Socioeducativo, aconteceu, na última terça-feira (25), o Expresso 227: superlotação nas unidades socioeducativas. Exibida no canal do Instituto Alana no Youtube, essa série de debates ao vivo tem o objetivo de dar visibilidade aos direitos da criança, por meio da participação de convidados especialistas.
Participaram da conversa Hugo Fernandes Matias, coordenador de Direitos Humanos e Infância da Defensoria Pública do Espírito Santo; Mônica Maria de Paula Barroso, representante da Defensora Pública do Estado do Ceará; e Thaisi Bauer, advogada e coordenadora de projeto do Gabinete de assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP/PE).
Hugo Matias falou sobre panorama da superlotação no estado do Espírito Santo e sobre os bastidores do julgamento do habeas corpus coletivo. A defensora pública Mônica Barroso falou sobre os principais desafios enfrentados nas unidades socioeducativas e apontou o papel fundamental da sociedade civil para a defesa dos direitos desses adolescentes.
Thaisi Bauer fez um panorama sobre a superlotação das unidades socioeducativas de Pernambuco, que teve aumento do número de adolescentes em privação de liberdade durante o período de pandemia. As famílias são obrigadas a entregar seus filhos vivos para o sistema e muitas vezes eles saem de lá sem vida, e quando saem com vida, saem estigmatizados e ainda mais excluídos socialmente”, alertou Bauer.
Entregamos aos especialistas as perguntas feitas pelo público que não foram respondidas durante o programa, em razão do tempo. Confira abaixo as respostas:
1. Do ponto de vista do controle social do judiciário, qual punição um juiz pode sofrer se não cumprir a liminar ou recomendação do poder judiciário sobre parcimônia nas orientações?
Hugo Fernandes Matias: O que nós temos sustentado em relação à superlotação de unidades socioeducativas e do habeas corpus coletivo 143.988 é trabalhar muito mais na perspectiva do diálogo e de contruir soluções em conjunto do que com uma perspectiva de litígio para o cumprimento da liminar. Na medida em que nós temos o Estado democrático de direito, uma decisão judicial é um dos atos mais importantes que nós podemos ter, sobretudo quando há um conflito. Nós temos trabalhado no sentido de efetivar a ordem judicial. Se for o caso, nós tentamos ampliar esse espectro de diálogo, com o poder Judiciário, os órgãos responsáveis do Tribunal de Justiça, para o Ministério Público, eventualmente órgãos de assessoria e até órgãos de execução, mas sempre numa perspectiva de construir soluções. Essa tem sido a postura da Defensoria do Espírito Santo nesses dois anos de liminar e agora na decisão de mérito para fins de efetividade da decisão judicial.
2. Para onde iriam esses adolescentes que não são acolhidos?
HFM: A ideia principal do habeas corpus coletivo é racionalizar o fluxo de ingresso e saída das unidades socioeducativas, e da adoção de outras medidas no caso de superlotação. Porque os recursos públicos investidos em unidades socioeducativas são imensos. A ideia do HC é que não haja superlotação e, caso haja, que sejam adotadas medidas como a transferência para outras unidades que não estejam distante da família ou a aplicação do meio aberto. É não deixar que o sistema socioeducativo se degenere. Nesse sentido, também verificamos a necessidade de investimentos principalmente no meio aberto, porque como o meio aberto é de competência dos municípios, fica mais rarefeito o controle.
3. Você acredita que a solução para resolver a superlotação das unidades de internação seja a construção de novas unidades de internação?
Thaisi Bauer: Não, eu não acredito que a criação de novas vagas seja a solução, pelo contrário. É necessário a criação de um programa voltado para a diminuição da população que está dentro das unidades socioeducativas de internação e de políticas sociais para que haja o acolhimento de jovens sobreviventes do sistema socioeducativo, entendendo que quanto mais vagas forem criadas, mais pessoas vão ser colocadas dentro do sistema e mais superlotadas as unidades socioeducativas vão ficar. Porque há um punitivismo e uma criminalização muito grandes pelo judiciário, voltado para determinados sujeitos e sujeitas, que são majoritariamente as populações negras e pobres, e que estão sendo encarceradas e inseridas em unidades de socioeducação massivamente. Então, a construção de novas vagas quer dizer também a superlotação de novas unidades e aí a gente vai criar um problema muito maior, como o que já tem sido criado nos últimos anos, com o aumento da população das unidades socioeducativas e da população carcerária que também tem crescido exponencialmente.
4. O que as grandes entidades estão fazendo para reverter a superlotação das unidades socioeducativas na ponta?
TB: As entidades têm fiscalizado. Pelo GAJOP – não sei se é considerada uma grande entidade – , temos fiscalizado e monitorado não só a decisão do STF, mas, antes mesmo dessa decisão sair, já fazíamos o monitoramento por meio dos Conselhos de Direito como o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA), Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), e por meio do monitoramento das unidades socioeducativas de internação do estado de Pernambuco. Então, a gente faz as visitas, aplica questionários, vê como está a situação física da unidade e a superlotação, e faz incidência também no sistema judiciário, solicitando e mostrando a necessidade do desencarceramento. A superlotação é uma prática de tortura, porque naturaliza todas questões como a ausência de alimentação suficiente, de agentes socioeducativos suficientes para manter as atividades nas unidades de socioeducação, de itens de higiene suficientes para os adolescentes que estão nas unidades. E também naturaliza a inviabilização do viés pedagógico da medida.
O Expresso 227 debate temas diversos sob o recorte da infância. Você pode acompanhar todas as edições no Youtube do Alana.