Para que a proteção integral seja efetiva no campo das políticas públicas é preciso que os diferentes órgãos e serviços voltados ou público infantojuvenil atuem de forma conjunta e articulada
Por Ana Claudia Cifali*
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que os entes federativos devem atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e promover espaços intersetoriais locais para a articulação de ações, com a participação de profissionais da saúde, da assistência social, da educação e dos órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Ainda, a Lei 13.431/2017, conhecida como Lei da Escuta Especializada, e o Decreto 9.603/2018, que a regulamenta, também destacam tais elementos, apontando a relevância das ações intersetoriais integradas e articuladas como forma de organizar o atendimento a crianças e adolescentes, com a finalidade de garantir um atendimento integral de suas necessidades, especialmente no que diz respeito à vítimas ou testemunhas de violência.
Mobilizarórgãos e serviços vinculados a diferentes setores das políticas públicas, como Conselho Tutelar, Conselhos de Direitos da Criança e Adolescente, sistema de justiça, rede socioassistencial, de educação e saúde é fundamental para assegurar a proteção integral de crianças e adolescentes, bem como de suas famílias. Entretanto, essa articulação em rede ainda é frágil em grande parte dos municípios brasileiros, sendo possível observar a ausência de fluxos definidos, a dificuldade de comunicação entre os órgãos e serviços, o desconhecimento por parte dos atores sobre os demais órgãos e serviços da rede, a fragmentação das atividades, dentre outras questões que dificultam o atendimento integral de crianças e adolescentes para além das dificuldades orçamentárias. Por isso, a conjugação de esforços para articulação do Sistema de Garantia de Direitos é fundamental para evitar a submissão de crianças e adolescentes à procedimentos desnecessários, morosos, repetitivos ou invasivos que podem levar à violência institucional e à revitimização.
Nesse contexto, o papel do Ministério Público é fundamental para a articulação da rede de proteção local. Como fiscalizador da ordem jurídica, incumbido de apurar irregularidades e infrações administrativas, a instituição pode – e deve – realizar a fiscalização de políticas públicas, mesmo quando não constatado qualquer ato ilícito. Tal prerrogativa oferece a possibilidade de atuação preventiva, garantindo, por meio que o órgão possa monitorar e auxiliar na regularização e aperfeiçoamento de tais políticas. Assim, o Guia de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, que tem por objetivo incentivar promotores e promotoras a promover o diálogo e a articulação entre diferentes atores para a construção conjunta de caminhos com vistas a implementar ou aprimorar as políticas públicas e serviços voltados ao atendimento de crianças e adolescentes é um importante passo.
O desafio, assim, está em consolidar uma rede de proteção acessível, sensível e amigável, com profissionais qualificados e cientes de suas responsabilidades e campos de atuação, capaz, ainda, de atuar na esfera da prevenção, além de evitar-se as violações que atuações improvisadas podem causar. A atuação doMinistério Público para romper com a fragmentação do atendimento é um avanço a ser comemorado. Isso porque, para que a proteção integral seja efetiva no campo das políticas públicas é preciso, necessariamente, que os diferentes órgãos e serviços voltados ao público infantojuvenil atuem de forma conjunta e articulada, potencializando suas ações, em consonância, ainda, com a responsabilidade compartilhada prevista no artigo 227 da Constituição Federal.
* Ana Claudia Cifali é advogada do programa Prioridade Absoluta
Foto: Juan Pablo / Pexels